Cassia de Marcos
O cuidado com o Peso e a Forma
Venho observando que a preocupação com o peso e a forma está cada vez mais presente atualmente.
Em qualquer fila de restaurante que você vá a conversa é sempre a mesma:
"Ah, estou seguindo a nova dieta."
"Não posso comer determinado alimento."
"Estou comendo só tapioca no café da manhã, nada de pão."
"Eu como tão pouquinho, não como carboidratos, não sei por que não emagreço."
"Não vou comer carboidratos hoje."
Ninguem comenta sobre o dia-a-dia, sobre coisas legais que acontecem no cotidiano ou dividem alguma informação aleatória, é só peso e percentual de gordura que interessam.
Coincidentemente encontrei este texto do Contardo Calligaris que consegue definir muito bem o que venho notando nos ultimos tempos. O porque atualmente o nosso corpo e nosso peso nos atormenta tanto.
Na semana passada, celebrando o Pesach ou a páscoa, muitos jantaram ou almoçaram em família. Aposto que, em algum momento, diante das farturas e das guloseimas que estavam na mesa, a conversa tratou dos planos e dos esforços de cada um para manter a linha, emagrecer ou ganhar peso (músculos, não gordura, é claro), em suma, para conseguir dar ao corpo uma forma “satisfatória”.
Para essa conversa acontecer, não foi preciso que houvesse magros ou obesos à mesa. A inquietação com o peso e a forma não é efeito do estado de nosso corpo. Ela se tornou onipresente nas ultimas duas ou três décadas: sua difusão coincide com o aumento dos transtornos alimentares (supostas epidemias de bulimia e anorexia), mas é, de fato, uma espécie de transtorno alimentar em si, um transtorno alimentar da conversa e do pensamento.

É citada por toda parte (sem mais precisões) uma pesquisa segundo a qual 81% das crianças (norte americanas) de 10 anos estariam com medo de ser gordas e 50% das meninas dessa idade declarariam estar fazendo regime. Agradeceria aos leitores que me ajudassem a encontrar o texto original dessa pesquisa, que, segundo algumas fontes seria do começo dos anos 1990. De todo modo, mesmo que a tal pesquisa seja uma lenda, sua popularidade confirma um fenômeno que verificamos todos os dias: hoje, a forma e o peso preocupam até as crianças.

Nesta altura, seriam esperadas acusações contra os nossos hábitos alimentares, contra a vida sedentária e contra os ideais impossíveis promovidos pela cultura de massa e pela indústria do regime e da forma física. Em suma, estaríamos todos pensando no peso por culpa da preguiça, do Mc Donald’s, da Barbie e do G. I. Joe, bonecos que parecem ter sido inventados para que, desde a infância, ninguém se contente com o corpo que tem.
Foi com essa expectativa que li o numero de fevereiro de “ Counseling Today” (da America Counseling Association), consagrado aos transtornos alimentares e a imagem do corpo. Expectativa frustrada, felizmente: num longo artigo sobre a obsessão com o peso é entrevistada uma terapeuta, Anna Viviani, que oferece uma explicação específica para o nosso interesse pelo peso e pela forma, com ou sem transtornos alimentares propriamente ditos. Resumindo, ela entende assim: quando alguém sente que tudo na vida está fora do controle, sente também que os alimentos, o peso, o exercício são coisas que, em principio, poderiam ser controladas.

Tanto faz, alias, que alguém consiga seguir um regime à risca, emagrecer ou ganhar peso e fazer ginástica regularmente. O que importa é que as consultas, as propostas, as leituras e as conversas intermináveis sobre dieta e exercício tem um valor em si: elas mantem viva a promessa de um controle – que é difícil, mas que é, em tese, possível. A diferença do que acontece em geral, com a nossa vida amorosa e profissional, acreditamos (com certa razão) que o nosso peso e a nossa forma dependem de nós. Neste campo, podemos não fazer necessário, mas sempre se trata de um não fazer “ainda”: um dia, faremos e, quando fizermos o necessário, controlaremos o nosso peso e a nossa forma.
É tentador propor uma equação: quanto menos controle temos de nossa vida (amorosa, profissional, social e mesmo moral), mais nos preocupamos com peso e forma, que, bem ou mal, podem ser controlados.
Numa direção parecida, no mesmo artigo, outra terapeuta, Erica Ritzu, resume assim a fala de um paciente com transtornos alimentares: “Se você não me escuta e não deixa nunca que minha opinião conte, pelo menos posso escolher não comer nada”. De repente, a greve de fome dos presídios políticos pode ser um modelo para entender o que acontece nos transtornos alimentares e em nossa preocupação com o peso e a forma.

Certo, na greve de fome os presos põem a vida em risco para promover uma causa (a sua própria ou outra). Mas também exercem, heroicamente, o que lhes sobra de liberdade; não são ouvidos, estão encarcerados, não podem nada, mas há algo que eles controlam: a sua própria ingestão de alimentos. É o que sugere Ana Vivianne, ao interpretar nossa obsessão com regime e exercícios: Quem não controla nada pode, como ultimo recurso, controlar sua alimentação, o seu peso e a sua forma.
Só resta admitir que não controlamos nada, assim como os presos.
Texto extraído do livro: Todos os reis estão nus - Contardo Calligaris. 118 p.
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